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domingo, 19 de janeiro de 2014

Artigo do senador e ex-presidente José Sarney (PMDB-AP)

A invenção do zero

Conta Georges Ifrah, no seu monumental livro "História Universal dos Algarismos", que foi motivado a escrevê-lo, como professor de matemática, pela intrigante pergunta de um pequeno aluno: "Professor, quem inventou o zero?". Ele não teve resposta e enrolou: "Coisas que se perderam no tempo, muito antigas".

A seguir, depois do pandemônio que se implantou na cabeça da gente, com os números que são modificados, acrescidos, baralhados no sistema telefônico brasileiro, essa pergunta, se fosse feita a qualquer menino vidrado em televisão, seria respondida: "Foi o DDD". Há uma guerra publicitária e está mudando tudo no acesso às linhas do telefone interurbano. A única coisa que continua firme é o zero.

"Mas nada é novo debaixo do sol", está nos Salmos. Temos precedentes nos babilônios que associavam seus deuses a uma hierarquia: 60, a Anu, deus do Céu; 50, a Enlil, deus da Terra; 40, a Ea, deus das águas; e outros.

A grande indagação na história dos algarismos é o intrigante problema do zero, uma das maiores descobertas da mente humana. O zero é um conceito abstrato. O homem das cavernas só sabia o que era "um" e "dois", o mais era o "muitos". Os egípcios, que criaram uma escrita de belo visual, sem chegar ao alfabeto, representavam os números por símbolos de objetos e seres existentes. O um era um arpão, e o dez, um falcão. Mas não tinham um símbolo para o zero e talvez por isso não tenham descoberto o Babeltel.

A privatização veio para simplificar a nossa vida, melhorar o serviço, possibilitar a escolha de ligações mais baratas, acabar com as filas de pretendentes a telefones, ampliar a rede de telefones públicos, tornar as ligações mais rápidas, estender a telefonia a todos os lugares do Brasil com mais de cem habitantes. Grande programa e grandes esperanças foram espalhados. Passado algum tempo, as expectativas não se confirmaram. Os preços aumentaram, a fila para aquisição continuou a mesma, os serviços pioraram e ninguém liga para ninguém nem para lugar nenhum. A voz que aparece é sempre "não foi possível completar sua li-gação". E depois, para afligir mais, surgiu a complicação dos números, e o consu-midor tem a sensação de que a vantagem da privatização começou por tornar a discagem mais difícil.

Esses desencontros estão sendo os mesmos em toda a América Latina. O nosso foi maior, no caso das telecomunicações, pelo acesso que teve a opinião pública sobre o background da licitação, pelo lamentável episódio dos grampos. O povo mesmo, ponta final do processo, não percebeu os resultados. Em nome da concorrência, complicou-se a vida dos usuários, que estão tendo serviços piorados. As nossas agências reguladoras não estão, nem podiam estar, aparelhadas para fiscalizar esse mundo caótico de inte-resses globalizados, que detém isenções e privilégios, como o da Light, que pode indexar suas tarifas, embora a correção monetária esteja proibida.

Não sou contra privatizar, mas a privatização selvagem nos trouxe muitas complicações, inclusive essa de ter de recorrer ao bumbum dos meninos gordinhos para poder ter acesso aos novos donos de nossas conversas.

A agência responsável pelas telecomunicações tem um trabalho gigantesco pela frente. Controlar esses gigantes não é fácil. E mais difícil ainda dar-lhes nota zero.

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