A Internet transformou cada indivíduo em um ser coletivo, com a capacidade de influenciar sem limites, de discutir e inflamar multidões, disse o senador José Sarney (PMDB-AM), em discurso proferido na última sexta-feira no plenário da Casa. “Ele passa a falar em nome de uma coletividade, embora seja um ser individual que está falando”, avaliou Sarney. Na análise que fez sobre as manifestações ocorridas em todo o país, nas últimas semanas, Sarney disse que a atual crise revela uma grande transformação da sociedade. “Hoje, em novo tempo, que é o tempo da comunicação, seu primeiro agente é um novo interlocutor da sociedade democrática: a opinião pública, mobilizada, atenta, engajada, apaixonada e instantânea”, afirmou. Para o senador José Sarney, a imprensa, especialmente a televisão, acostumada a ser a porta-voz da crise, agora, acompanha a crise, tem a sua pauta pautada pelas redes de comunicação social, sofrendo também forte contestação. Sarney avaliou que a sociedade contemporânea entrou em uma nova era. “Não só da comunicação na sociedade da Internet, mas também a concepção de rede que sempre tivemos, com a mentalidade, construída ao longo de milênio, de causa e efeito. No caso da Internet, nós não temos a causa, porque não há um centro gerador, cada um que se agrega – é o conceito de rede – vai ampliando a parte da rede”, explicou o senador do Amapá. Em seu pronunciamento, José Sarney se referiu ao livro O Que a Internet faz com Nossas Mentes, do escritor Nicholas Carr, que avalia como a mentalidade dos indivíduos muda diante fatos importantes. Segundo Sarney, o autor narra um suposto diálogo de Platão com o rei Thot do Egito que indaga o que aconteceria dali em diante com a memória diante a descoberta da escrita. “Depois, com o avanço e a descoberta do livro, houve a capacidade de multiplicar conhecimentos e distribuí-los e, agora, nós estamos também com outra descoberta, a da Internet, cuja linguagem é outra”, reflete Sarney.
Crise é a transformação da sociedade, diz Sarney
Para o senador José Sarney (PMDB-AM), a história não se faz sem crises. “A história de um país é a soma de todas as histórias que fazem a sua sociedade em determinados tempos. Elas se somam e são sempre uma obra do tempo”, disse o senador José Sarney (PMDB-AM), na manhã desta sexta-feira (12), na tribuna do Senado Federal, em pronunciamento sobre o momento político que vive o Brasil. O ex-presidente da República e do Senado chamou a crise atual do país de “vontade popular”. Com a experiência de mais de meio século de vida pública, José Sarney confessou já ter visto muitas crises, e que a atual revela uma grande transformação da sociedade. “Hoje, em novo tempo, que é o tempo da comunicação, seu primeiro agente é um novo interlocutor da sociedade democrática: a opinião pública, mobilizada, atenta, engajada, apaixonada e instantânea”, afirmou. José Sarney disse que, desde 1972, na Conferência de Estocolmo, quando se verificaram as primeiras manifestações sobre os problemas ecológicos, o desenvolvimento econômico e a expansão tinham perdido aquela sacralidade de serem sinônimos de progresso. Sobrevieram, então, novos conceitos, reflexões e dúvidas sobre o caminho que o mundo estava tomando. Se estava em um caminho certo ou errado. O senador pelo Amapá lembrou-se em seu pronunciamento de uma referência que fizera então a Oichi, ministro do Meio Ambiente do Japão, que, diante a frenética de seu país em busca do Produto Interno Bruto se indagava o que tinha tudo aquilo a ver com a felicidade humana. Sarney referiu-se ainda a John Kenneth Galbraith, autor do livro A Sociedade Afluente, onde sustenta que a sociedade industrial deixa de lado os valores que o homem deve prezar. O senador Sarney disse que nas cidades a intensa urbanização ocorrida na grande parte dos países criou grandes problemas. “Todos nós somos testemunhas desses problemas que temos, hoje, nas grandes cidades”, afirmou. Entres esses, segundo Sarney, estão a dificuldade de locomoção e a violência urbana.
Mobilidade
O primeiro desses problemas diz respeito à mobilidade urbana. “Os carros não andam, enchemos as cidades de automóveis e hoje ninguém pode andar dentro das cidades. As pessoas vivem quase com um estresse e freneticamente quase que chegam em casa com princípio de esquizofrenia, tão grande a irritação que eles têm no trânsito”, lastimou. Ele disse que, paradoxalmente, atualmente a média da mobilidade nas cidades é de 18 quilômetros . Exatamente o que faziam as carroças da Idade Média. “Então a história da humanidade é cheia desses paradoxos. O fenômeno vem desde os transportes coletivos totalmente abarrotados até os transportes individuais”, observou.
Violência
Outro problema apontado pelo senador José Sarney em seu discurso foi a violência. Segundo ele, o Brasil é o primeiro país do mundo em números absolutos em homicídios. “Temos 51 mil homicídios por ano, e nos últimos 30 anos, foram mortos aqui no Brasil, 1 milhão e 90 mil pessoas. Isso é mais do que a soma de todas as guerras nesse período. Aqui, nós não tivemos nenhuma guerra, mas tivemos também um maior número de mortos do que nessas guerras que existiram no mundo, localizadas nesse período”, ressaltou. José Sarney citou uma pesquisa do Ipea, na qual afere que 78% dos brasileiros têm medo de serem assassinados; e 91% têm medo de ser assaltados. “Por outro lado, temos uma legislação que, a meu ver, é responsável pelo crescimento de homicídios no Brasil e por esses números que citamos. Como o fato de sermos um dos poucos ou talvez o único país do mundo em que um homem que mata outro se defende solto. Isso cria, dentro da sociedade, um desprezo pela vida”, lastimou o senador.
Manifestações
Dessa forma, esses problemas permearam as recentes manifestações ocorridas por todo o país, de acordo com José Sarney. “Dois componentes da alma das pessoas estavam presentes: primeiro esse estresse permanente do tráfego; e, segundo, a violência que também permeia a vida das grandes cidades”. Por outro lado, disse José Sarney, é intrigante pesquisas que apontam 76% dos brasileiros dizendo que o país é um bom lugar para se viver. “Então, a pergunta é nossa: por que essa grande insatisfação que explode no momento atual? Esse pano de fundo de um fenômeno que acho que, de repente, para todos nós, surgiu sem uma causa justificada. Até hoje ninguém explicou qual era a causa profunda. Ninguém pode prever subitamente essa surpresa que tomou de uma atônita perplexidade todos nós no Brasil com esses acontecimentos”, afirmou.
Ideologias
Para o senador, a atual crise tem novos componentes. “Depois do fim das ideologias do nosso tempo – a mais dominante delas, o comunismo –, as novas gerações, sem causas, sem utopias, são presas fáceis do niilismo, das drogas, do alcoolismo e de uma coisa que hoje domina quase grande parte: a sublimação dos prazeres. Mas a maior parte delas dirige suas energias e vitalidades contra as mazelas da humanidade. É aquele sentimento que todos nós que fomos moços sabemos, que o primeiro desejo nosso é melhorar a sorte da humanidade, das pessoas. É o gesto altruístico de grandeza, de idealismo que movimenta os moços, o qual todos nós já tivemos. E, às vezes, até na velhice, mantemos esses sentimentos”, disse.
Sistema eleitoral
O senador Sarney abordou também a questão do sistema político brasileiro, que segundo ele, dá margem a muitas incompreensões. “O Brasil não conseguiu fazer partidos políticos em que a democracia se sustentasse. Não conseguiu fazer um sistema de representatividade que realmente atendesse aos anseios do povo. Basta ver essa busca que nós temos. Foram 500.402 candidatos na última eleição e toda essa gente em busca de dinheiro para fazer eleição. De acordo com Sarney o atual sistema tem que ser mudado. “Esse voto proporcional do jeito que nós o praticamos é absolutamente destruidor dos partidos; ele é destruidor do Congresso; ele é destruidor da Câmara; ele é destruidor da classe política e ele tem sido responsável pela má vontade do povo, pela incompreensão do povo e realmente pelos resultados, que só têm diminuído o prestígio da instituição representativa”, afirmou. O partido político foi o caminho pelo qual a democracia pôde organizar-se e ser o melhor sistema de autogoverno, disse Sarney. Para ele, sem partidos políticos fortes, não há parlamentos fortes e, sem esses, a democracia descamba para a demagogia, para a política pessoal, com todos os descaminhos que levaram, no Brasil, à decomposição dos costumes políticos. O Sarney enfatizou ainda que o atual sistema eleitoral partidário chegou ao fim. “E é com tristeza que podemos afirmar que ele se deteriorou; e, para não usar uma palavra mais dura, dizendo que ele se acabou!”.
Congresso Nacional
O Congresso Nacional e, em particular, o Senado têm reagido, tentado reagir com uma agenda positiva, que procura identificar a demanda difusa das manifestações, considerou José Sarney. Ele disse que é preciso atenção para não tomar necessariamente essas demandas como a expressão de todos os segmentos da sociedade, nem deixar de decidir sobre assuntos mais complexos que escapam ao grito das ruas. “Repito que sem Congresso forte não há democracia forte. E uma democracia frágil é um prenúncio de decomposição. Sem ela perde-se a liberdade e surgem as fórmulas salvadoras. Ninguém pense que elas já estão fora das nossas hipóteses de perigo. No mundo atual, há outras fórmulas de desestabilização que não as intervenções militares, tão sofridas ao longo da nossa História, o terrorismo e a divisão social. Não podemos deixar de estar atentos a esses aspectos”, reiterou. José Sarney reafirmou a necessidade de se restaurar o prestígio do Legislativo. “Há tempos, tenho falado na necessidade de se restaurar o prestígio do Legislativo. Grande tarefa a cumprir, que é de todos nós”, conclamou. De acordo com Sarney, o Congresso Nacional tem uma longa tradição de crescer nos momentos de crise. “Ao longo da minha vida, sou testemunha desse fato. Algumas das crises graves que tivemos, a morte do presidente Vargas, a renúncia do Jânio, essas crises, o impeachment do presidente Collor, foram momentos em que o Congresso teve oportunidade de fazer uma certa reflexão e de poder, de certo modo, retomar rumos. É isso que precisamos fazer”, acrescentou ainda.
Apartes
O senador Pedro Simon (PMDB-RS) disse, em um aparte, que estava encantado com o pronunciamento de José Sarney. “Ele é muito profundo. É um pronunciamento desses tinha que ter apartes de vários partidos e tinha que dar continuidade. Esse pronunciamento não podia ser feito numa hora mais feliz, porque, justiça seja feita, nós, que temos tantos erros, vamos reconhecer que nesses 20 dias o Senado está tendo uma atuação de primeira grandeza”, afirmou o senador gaúcho. Simon se referiu também a época que Sarney foi presidente da República. “Foi um governo altamente democrático, viveu momentos muito difíceis”. Disse ainda que o atual momento político deve ser mais bem aproveitado, como sugeriu Sarney no pronunciamento. E até confessou uma pontinha de inveja. “Não vou mentir: não é uma inveja satânica, mas é uma inveja cristã que eu tenho desse seu pronunciamento”, acrescentou. A senadora Ana Amélia (PP – RS), por sua vez, disse a Sarney, que ao usar sabedoria, experiência, habilidade política, intelectualidade, e a sua academia de escritor e de político, iluminou a virada do século XX para o século XXI, mostrando um cenário de revoluções contínuas do comportamento político e humano. “Então, eu queria cumprimentá-lo pela sua manifestação, nesta manhã, com essa visão geral das nossas responsabilidades, cada vez mais acentuadas quando a rua nos clama, para termos nós aqui o protagonismo que a rua espera de nós”, disse a senadora Ana Amélia.
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