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Carlos de Colon. Especialista em mercado internacional faz avaliação sobre os negócios com açaí nos rios do Amapá. |
Um
conceituado especialista no mercado financeiro internacional, o
paulistano Carlos de Colon, esteve visitando recentemente o Amapá, a
convite de uma fábrica de palmitos de açaí instalada em Santana. Mais do
que conhecer o processo industrial, ele percorreu rios e igarapés da
região para entender melhor uma verdadeira revolução que ocorre em meio
às comunidades ribeirinhas a partir da industrialização dos produtos dos
açaizais que grassam por aqui, como o fruto e o palmito do açaí, que
está ganhando as mais exigentes clientelas de restaurantes nacionais e
europeus. Depois de obter todas as informações que precisava, mas antes
de retornar a São Paulo, onde reside, Carlos de Colon conversou com o
jornalista Cleber Barbosa, com exclusividade para o Diário do Amapá.
Cleber Barbosa
Para o Diário do Amapá
Diário - Como surgiu a oportunidade do senhor visitar o Estado?
Carlos -
Sou muito amigo do doutor Cláudio Guimarães, que é proprietário da
fábrica de palmito King Of Palms [em Santana] e conheço-o há muitos
anos, já viajamos juntos a muitas outras partes do mundo e recentemente
estive com ele em Belém, quando me fez o convite para vir aqui ao Amapá
para conhecer alguns aspectos da cultura local.
Diário - Como o que exatamente?
Carlos
- A primeira foi visitar algumas comunidades ribeirinhas e devo dizer
que fiquei impressionado, de certa maneira meus conceitos de antes foram
todos mudados, se provaram errados. Eu pensei que iria chegar em uma
comunidade mais carente, mais simples, pois tínhamos a impressão de quem
mora na beira dos rios eram comunidades empobrecidas, em dificuldades,
mas eu encontrei diria um grupo de pessoas que se pode até se considerar
como uma nova classe média, empreendedores que conseguiram fazer de seu
ambiente um negócio.
Diário - Daí chama-los de empreendedores?
Carlos
- Exatamente, mas me refiro basicamente ao açaí, tanto o fruto como a
extração do palmito, de uma maneira que diria até fantástica, onde eles
não só fazem de um jeito que se conserva, que se preserva a mata, enfim,
tem toda essa parte ecológica e da sustentabilidade, mas ao mesmo tempo
consegue gerar uma renda muito boa.
Diário - Daí o senhor ter dito que foi preciso rever conceitos?
Carlos -
Sim, eu visitei casas na beira do rio, no meio do mato de uma qualidade
que não pensei que iria encontrar, bem pintadas, bem mobiliadas, com
televisão moderna, todo mundo com barco com motor, pessoas onde os pais e
os avós são realmente muito humildes e alguns casos analfabetos, mas
onde os filhos e os netos estão cursando escola, indo para a faculdade,
se formando em áreas diversas, engenharia, letras, o que seja, onde as
pessoas, os pais de família estão tocando negócios do açaí com um nível
de entendimento das coisas bem sofisticado.
Diário - Os chamados empreendedores mesmo, no meio da floresta, não é?
Carlos
- Isso, alguns já tem a mentalidade de empresários mesmo, de
microempresários. A única coisa que falta é ter acesso a mais
ferramentas, mais acesso a capital para que desenvolvam negócios
maiores. Eu realmente fiquei muito impressionado com isso.
Diário
- Então pelo que o senhor diz, essas pessoas que anteriormente tinham
tudo para sair de lá decidem ficar, pois possuem uma qualidade de vida
bem razoável e motivos para permanecer lá?
Carlos - Sim, isso
ficou muito claro. Eu acho que vindo de São Paulo e conhecendo várias
outras cidades grandes particularmente aqui no Brasil onde você vê
comunidades que migraram de outras regiões, as pessoas diria simples
como mencionei a primeira geração aqui, que foram para as grandes
cidades e não conseguiram se adaptar e vivem em condições de vida muito
difíceis e em alguns casos miseráveis, aqui por causa do açaí, que dá
uma boa situação financeira, a pessoa tema a oportunidade de continuar a
morar no lugar que ela quer morar, o lugar de onde ela é, em condições
excelentes, boas mesmo, o que faz com que eles não precisem, não sejam
forçados a migrar.
Diário - O senhor ouviu relatos desta natureza, corroborando desse raciocínio?
Carlos
- Sim, eles dizem "não precisamos todos mudar para a cidade porque
nosso filho precisa ir para a escola", não, manda o filho para a escola,
se necessário para um colégio interno e continuam lá com uma qualidade
de vida boa, que lhe provê e que lhe permite fazer coisas em comum. Nós
fomos a casa de um ribeirinho onde os filhos vão para um colégio interno
[Escola Família] e ficam fora duas semanas, na escola, voltam para casa
por alguns dias e depois voltam para a escola. Isso é possível porque
existe condição econômica para isso. Isso foi um sinal muito positivo
porque com certeza existem outras áreas no Brasil onde a priori seriam
situações que existe dificuldades, mas que se você pudesse dar condições
para a pessoa se desenvolver em sua própria região, criar seu negócio,
você não teria muitos dos problemas sociais que enfrentamos hoje nas
cidades grandes.
Diário - São os fundamentos da
sustentabilidade e que norteiam, pelo que a gente tem notícia, o
processo industrial da fábrica de palmito do seu amigo Cláudio
Guimarães?
Carlos - Sim, sim, eu acho que a King of Palms tem
feito um trabalho muito consciente nesses anos todos, pois a empresa foi
fundada em 1954 e está aqui no Amapá desde a década de 1970, em
trabalhar junto com as comunidades ribeirinhas para que elas tenham os
mecanismos de viver bem. O doutor Cláudio trabalhou muito para que eles
entendam os conceitos modernos de administração, de responsabilidade na
produção, entendam de como medir as coisas e como fazer tudo isso de
maneira sustentável para melhorar a produtividade e consequentemente sua
renda.
Diário - Isso tudo já é uma realidade, o senhor chegou a fazer essa constatação?
Carlos
- Visitando essas comunidades você vê como eles pensam, eles são muito
conscientes de que se manejar bem o açaizal a produção vai melhorar, com
isso o açaizeiro vai ser mais saudável e porque a produção é melhor
eles vão receber mais dinheiro, enfim, fica aquele círculo virtuoso
mesmo.
Diário - E desmistificando talvez essa questão que
tanto já se falou no passado, de que a indústria do palmito poderia
ameaçar os açaizais, dizimando a floresta nativa?
Carlos - Pois é, muito pelo contrário. Bem, existiu lá no passado no Sul do Brasil um certo tipo de palmito
que foi
colhido e que existiu a devastação porque foi feito diria sem nenhuma
racionalidade, mas do jeito que ele é feito aqui não. Como o açaizeiro
tem várias estirpes, quando você o poda você está simplesmente
melhorando a qualidade da planta, pelo contrário, a atividade do caboclo
é positiva para a floresta. Isso é uma coisa que para dar crédito ao
crédito, não foi uma coisa que o doutor Cláudio ensinou, mas sim uma
coisa que os índios já sabiam e o caboclo já sabia.
Diário - E que está perpetuando.
Carlos
- E que está perpetuando mesmo. Estamos utilizando digamos a
inteligência nativa para fazer a coisa certa só que de uma maneira mais
sistemática e organizada dando oportunidade para o caboclo vender seu
produto achando os mercados fora daqui do Amapá, tanto no Brasil como no
exterior para que possa gerar riqueza nisso.
Perfil
Entrevistado.
Carlos Camargo de Cólon nasceu em São Paulo, tem 43 anos de idade e é
casado com uma inglesa. Possui formação acadêmica como Bacharel em
História, pela renomada Universidade Columbia, de Nova Iorque, mas
acabou especializando-se em mercado financeiro, tendo atuado por muitos
anos no poderoso Morgan Stanley Banks, o que lhe levou a trabalhar em
Londres, Nova Iorque e São Paulo. Hoje atua como consultor financeiro e
também decidiu investir na abertura de uma editora de livros na capital
paulista, a Editora Corvara. Durante a semana visitou Macapá, Santana,
Mazagão e redondezas de Afuá (PA) a convite da direção da fábrica King
of Palms, localizada no Igarapé da Fortaleza, em Santana.