O geólogo Antônio Feijão, diretor do DNPM no Amapá, faz uma avaliação do acidente da Anglo |
Uma das maiores autoridades em solos em atuação no Amapá é o geólogo e ex-deputado federal Antônio Feijão. A convite do Diário do Amapá ele faz uma avaliação preliminar sobre a tragédia que resultou até agora num saldo de três operários mortos e três desaparecidos, e um gigantesco dano ambiental provocado pelo desmoronamento de pilhas de minério de ferro nas águas do rio Amazonas, na semana passada. Feijão também diz estar juntando farta documentação e fotos de satélite para dar base a um relatório que deverá apresentar em Brasília na próxima segunda-feira. Segundo sua tese, houve uma sobrecarga na área do porto de embarque de minérios da mineradora Anglo.
Cleber Barbosa
Cleber Barbosa
Da redação
Diário do Amapá – Qual é o papel preponderante do DNPM nesse trabalho de apuração do acidente ocorrido na semana passada no porto da Anglo em Santana?
Antônio Feijão – A competência do DNPM é inventariar pericialmente o estoque de minério que estava no pátio e que caiu dentro do rio Amazonas. Esse é o fundamento principal do DNPM. A parte do licenciamento ambiental é competência do Imap, é competência da Sema, é competência do Ibama, é competência do sistema do patrimônio público da União, é competência da Marinha, é competência do Ministério dos Portos.
Diário do Amapá – Quando começou o seu trabalho, diretor?
Feijão – No dia do acidente nós fizemos um inventário aéreo com fotografias para marcar exatamente quais eram os estoques de minério que estavam na área do entorno do acidente e o que tinha de remanescente na área próxima ou fronteira da borda de impacto do deslocamento do pacote geológico.
Diário – Esse trabalho está em que fase agora?
Feijão – Estamos concluindo esse documento para levarmos na segunda-feira a tarde para Brasília e de antemão posso antecipar que estamos requerendo junto ao DNPM nacional a vinda de uma força-tarefa com técnicos mais especialistas na área de avaliação de ecografia para que a gente possa saber como está se formando a nova praia entre a parte de talude que ficou remanescente, onde tem anda áreas caindo devido ao solapamento da maré e como o DNPM com a sua experiência e a CPRM com seus equipamentos e com larga experiência com o que aconteceu no porto de Manaus e acontece no alto Solimões, no Purus, essas vilas desses rios que sofrem desbarrancamento todos os anos.
Diário – Igual ao que ocorreu aqui?
Feijão – Nós vamos trazer essa tarefa aqui não só para apresentar o laudo pericial e se houver perda de minério cobrar da empresa esses prejuízos porque os bens são da União.
Diário – Mas agora acaba de chegar a Macapá outra missão também vinda de Brasília, só que da Câmara dos Deputados, que o senhor também vai dar assessoramento?
Feijão – Nós somos convocados pelo Congresso Nacional para acompanhar a Comissão Externa que vai ver as ações e medidas que possam envolver a empresa Anglo Ferrous para a reconstrução do porto e para analisar os demais danos oriundos desse grave acidente. Em síntese, é uma comissão externa provisória da Câmara Federal e ela tem competência desde convocar o ministro dos Portos como qualquer outra pessoa, sejam os responsáveis ou donos da Anglo, não os gerentes daqui, mas os donos, e da empresa EBX, porque até agora a concessão ainda está alienada à EBX do senhor Eike Batista, pois há contratos terceirizados de sublocação do uso do porto, então todas essas informações serão inventariadas por esta Comissão. O DNPM está acompanhando como um dos agentes dos muitos que serão envolvidos por essa Comissão Externa.
Diário – O primeiro paradoxo, digamos assim, foi a tese levantada pela própria Anglo de que houve uma onde gigante que provocou o desbarrancamento. Já dá para saber o que veio primeiro, se a onda ou a queda de terras é que provocou a enorme onda?
Feijão – Não tenha dúvida de que você tem uma série de condicionantes de causalidade, então eu posso lhe assegurar que quatro delas foram fundamentais: o primeiro, a fadiga estrutural do porto. Este é um porto que teve as obras iniciadas em 1954, concluído no final de 1956 e o primeiro navio foi carregado em janeiro de 1957. O segundo item é que esse porto durante 44 anos exportou através da Icomi apenas 34,12 milhões de toneladas e em pouco mais de quatro anos, para ser preciso em cinco anos, ele exportou só com a Anglo 18,1 milhões de toneladas, ou seja, em cinco anos a Anglo conseguiu exportar 53% de tudo o que a Icomi conseguiu exportar em quase meio século. Portanto, além da fadiga estrutural do porto, a intensividade do uso do porto, tanto por embarcações quanto pelo manuseio da estrutura geológica frágil que é o porto, que está dividido em dois cenários geológicos. Um que são formações barreiras, que são mais estáveis, e a outra uma parte menor onde descapiaram durante a formação esta parte frontal, paralela ao píer, deixando as camadas de argila mais expostas.
Diário – Uma somatória de eventos.
Feijão – E ainda tem a luta desse porto com a maré, com a chuva, com o uso intensivo e todas as condições de idade e mais essa sobrecarga operacional fez com que o porto tivesse um colapso geológico e o deslocamento de uma massa de 200 metros de comprimento, 100 metros de largura, por um mínimo de um pacote de nove metros de espessura, ou seja, imagine quatro campos de futebol com quase dez metros de espessura correndo em menos de dois minutos para dentro do rio.
Diário – É muito material jogado no rio...
Feijão – E essa massa geológica abre um pacote de convecção para baixo, o navio luta para se manter flutuando e nesta luta do navio flutuando ele destrói o píer, ele puxa para dentro junto algumas coisas mais para trás, porque o navio ao ser empurrado ele estava ancorado no píer, tanto é que o porto, segundo as informações preliminares dos estudos batimétricos, o porto ao invés de se assorear ele teve, na parte mais próxima, um aumento de cinco metros de profundidade. A entrada desse pacote geológico desloca, como uma pessoa gorda que pula na piscina, ele desloca duas ondas em direção às bordas, então não é só um lado. Uma foi em direção ao Delta e ao Matapi, mas como não tinha muitos barcos nem nada e ela se dissipou pela frente. Mas a outra encontra um dia de trabalho, com barcos ancorados, um dia de trabalho no Grego [porto], um horário que tem muita gente operando o porto do açaí e tudo mais. E essa provoca alguns danos localizados em algumas pequenas embarcações.
Diário – A gente tinha a informação de que a Anglo já vinha enfrentando problemas para embarcar os navios, com a quebra de um alimentador industrial da correia transportadora que carregava os porões dos navios, chamado ZNK. Isso teria levado a empresa a usar caçambas e pás carregadeiras e também transferido a pilha de minério para mais próximo da margem do rio Amazonas. O senhor acredita nessa possibilidade?
Feijão – Com a vinda de uma imagem de alta resolução do dia 27 de março de 2013 e uma imagem de alta resolução para colaborar com as fotos que eu já tirei de avião do dia 28 eu vou poder dizer exatamente as massas de pilhas de minério que estavam nessas áreas sensíveis e que não deveriam estar e o que foi remanescente, pois uma vez que eu saiba o que tinha antes eu saberei lhe dizer porque eu sei o que tem agora.
Diário – Tem uma série de organismos agora debruçados sobre as causas do acidente e também sobre o que estava legal e o que estaria irregular, como licenciamentos e outros documentos, o que faz lembrar a tragédia da Boate Kiss. Por que só se corre atrás do prejuízo?
Feijão – A questão não é de licenciamentos. Tudo na vida tem um dia para a gente mudar, nós estamos sofrendo uma páscoa na questão das grandes empresas e o estado do Amapá. A questão ambiental é essencialmente uma questão social. O ordenamento de licenciamentos nem ele pode ser terrorista o suficiente para os capitais irem embora, nem ele pode ser benevolente para os capitais anoitecerem trabalhando e amanhecerem ricos. Este equilíbrio e este compasso tem que ser dados pelos Estados, é isso também o que vem nesse novo modelo dentro da reforma mineral, então é muito importante nesse momento que não se procure encontrar defeitos no estado. Nós temos uma grande empresa que tirou US$ 2 bilhões [de dólares] em cinco anos, ou seja, R$ 4 bilhões [de reais] e esse porto a Icomi construiu ele com aproximadamente US$ 67 milhões [de dólares]. Ficar discutindo R$ 21 milhões de uma multa numa empresa que teve um faturamento bruto de US$ 2 bilhões de dólares é o Amapá voltar à era da colonização, em que os portugueses desciam e davam miçangas e espelhos para poder calar os caciques nas tribos tupis lá na Bahia.
Perfil..
Entrevistado. Antônio da Justa Feijão tem 56 anos de idade, á natural de Sobral (CE). É geólogo formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e possui MBA em Auditoria Ambiental e Perícia Ambiental. Atuou na iniciativa privada por muitos anos até se tornar popular e entrar para a política partidária. Foi eleito deputado federal em 1994 (mandato de 1995 a 1999) sendo reeleito em 1998 (mandato de 1999 a 2003); depois mesmo tendo sido o sétimo mais votado em 2008, ficou na condição de suplente, tendo assumido a titularidade entre 2009 e 2010. Também teve passagens como secretário de Estado do Meio Ambiente e diretor-presidente do Imap. No ano passado assumiu o DNPM no Amapá.
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