O presidente do Senado, José Sarney, concedeu entrevista exclusiva publicada ontem em O Imparcial na qual falou da intimidade, da família, de política e de literatura. Confira aqui a íntegra da entrevista. Na manhã do último dia seis, o maranhense de São Bento e presidente do Senado, José Sarney (PMDB), deixou sua casa em reforma num bairro nobre de Brasília para se deslocar à residência oficial destinada a quem ocupa a cadeira mais importante do Congresso Nacional, na Península dos Ministérios. Eram 9h30 e, àquela altura, ele já tinha lido jornais, o livro de cabeceira, e repassado na mente a abarrotada agenda daquela quinta-feira chuvosa. O primeiro compromisso: café com os repórteres de O Imparcial. Na pauta, quase nada de política. A Revista Tudo foi à Brasília para saber o que existe por trás da figura séria, dada a formalidades da burocracia e aos ritos do parlamento, elogiada por muitos maranhenses, criticada por outros tantos. Como anda a saúde, quais mágoas a política trouxe, os prazeres da literatura, como é a rotina de tão influente figura da República e quem é José Sarney no dia a dia com a família. Tudo isso e muito mais você confere nas próximas quatro páginas deste especial preparado por nós.
O Início
Ao sentar a mesa do café da manhã, Sarney recebe uma vitamina de linhaça, granola, mamão e ameixa. No cardápio, tapioca, ata, manga tapioca. “Eu como muito pouco”, diz ele, abrindo uma caixa de remédios. “Aqui é minha carteira de sonhos”, completa, sorrindo. “Porque é remédio que não faz nada e a gente vai sonhando, né? Pra gente se iludir que realmente vai viver muito”.
A rotina
O Imparcial: As ligações começam cedo, presidente?
José Sarney: Já. Desde de manhã já têm coisas pra resolver. Mas eu levanto cedo. Acordo umas seis horas, seis e meia, levanto umas sete horas, já estou familiarizado com o IPad (tablet da Apple), leio tudo antes de ir para o trabalho.
Usa para ler livros também?
Não. Livro é insubstituível. Não tem coisa que substitua.
Quando o senhor acorda, qual a primeira coisa que faz?
Rezo. Todo dia.
Hoje, o que lhe veio a cabeça quando acordou: trabalho ou família?
O dia de trabalho. Penso na minha agenda, que está sempre cheia. O primeiro compromisso já era aqui com vocês. Eu repasso minha agenda para me organizar. Quando tenho algum encontro internacional recebo sempre um briefing sobre o visitante antes de recebê-lo.
O senhor dorme a que horas?
Eu sempre deito às 11 horas e durmo meia noite, uma da manhã. É pouco.. Eu sempre dormi muito pouco. Toda a minha vida. Eu aprendi a estudar de noite, de maneira que me fez dormi pouco.
E a famosa sesta que o maranhense costuma tirar depois do almoço?
Não. Não descanso em nenhum outro horário do dia. Eu chego uma hora, tô almoçando uma e meia e duas e 50 eu saio para chegar ao Senado 15h15. Eu sou muito de horário. Acho que horário, sem a gente ter uma disciplina, as coisas tumultuam.
E quando o senhor se depara com um político sem pontualidade?
Em geral, os políticos não tem disciplina nenhuma para horário. Eu estou sempre reclamando. Político e mulher não obedecem a horário.
Em suas leituras diárias, o senhor prioriza os jornais?
De manhã eu leio primeiro as resenhas todas nossas porque não há tempo de ler todos os jornais. Leio dois relatórios que me vêm todo dia da imprensa, feito pelo nosso serviço de imprensa, do Senado. Eles selecionam as matérias mais importantes e fazem uma análise do noticiário.
Essas que o senhor consome pela manhã lhe pautam muito durante o dia?
Não. Mas pelo menos informam a gente do que está acontecendo. As decisões políticas são sempre decisões que demandam certa costura, muito diálogo, muitas pessoas que a gente liga por dia, de manhã logo. E (ficamos sabendo) quais são os fatos políticos que tem, para se informar e poder comentar.
Diante de tantas tarefas, o que o senhor considera como lazer?
Olha, eu até hoje não tive tempo de ter tempo para ter lazer. Eu não tenho nenhum hobby. A minha vida toda foi dedicada a política e a literatura. Meu tempo livre é só pra ler. Eu passei 25% da minha vida lendo, de maneira que eu não vejo televisão, eu não vou a teatro, não vou a show, gosto de música sacra e as vezes leio escutando. Minha rotina é sempre lendo e escrevendo.
Então seu lazer é a leitura.
É. Eu não posso viver sem. Eu fico angustiado atrás de um livro de noite. Eu já me habituei. E também quando eu acordo cedo eu pego livro e leio um pouco, ainda na cama, e depois levanto.
O que o senhor está lendo no momento?
Estou lendo a biografia do Jango (João Goulart, ex-presidente do Brasil). Esta que saiu agora...
A família
Nesses dias tão corridos, como o senhor consegue manter a proximidade com a família?
Eu tenho uma norma de sempre almoçar, fazer refeições em casa. É a hora que a gente tem de se reunir com a família na intimidade. Mas a gente sempre tem convidados que sempre chegam, pessoas e ligações.
Longe de São Luís, como fica a relação com os netos, os sobrinhos?
Eles são muito carinhosos comigo. E quase que diariamente todos me ligam, falam comigo e estão sempre passando aqui. As minhas netas, por exemplo, todas elas estudavam aqui. Vieram fazer o curso universitário em Brasília e moravam comigo. Então eu sempre tenho neto em casa. Já tive três, já tive dois. Eu chamo que é um lugar de discipliná-los, coordená-los.
Então o senhor não é o avô que mima os netos.
Não, pelo contrário. Eles aqui gostam muito, conversam muito comigo sobre as dificuldades quando estão estudando, comentam muito, participam. E eu tenho um hábito também de nestes momentos me inteirar do que eles estão pensando, como a juventude está pensando. De maneira que eu procuro sempre ser um homem do meu tempo.
Uma forma de atualização...
E não ficar olhando para o passado, mas sempre para o futuro. E por vezes eles trazem colegas e a gente se mantém sempre com o pensamento da juventude. Não fica desatualizado.
O senhor hoje preserva algum amigo de infância que não seja ligado a política?
Ah! sim. Nós hoje temos já muito poucos. Mas nós sempre tínhamos aqui, em Brasília, e ao longo da vida, reuníamos a turma do Colégio Marista. E fazíamos um jantar uma vez por mês na casa de cada um. Começávamos e terminávamos o jantar cantando o hino do Marista. Era o Campelo, o Betinho, o Luís Antônio... São pessoas que não são da política, cada um na sua profissão. Hoje somos cinco. Já fomos muito mais. Outro dia o Campelo completou 80 anos e ele quis comemorar em um restaurante. De repente o restaurante ficou estarrecido quando levantaram pessoas, entre os quais eu, e cantamos o hino do Colégio Marista. Cantamos para abrir e para fechar o jantar.
Este hino é do Marista de São Luís?
Marista de São Luís, onde estudei, que era ali junto da Igreja da Sé, onde hoje é o Palácio do Arcebispo. Era arcebispo do Maranhão, Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos, depois Carmelo de Aparecida. Ele, então, para atrair o Marista para o Maranhão, deu aquelas instalações para funcionar o colégio. Ali fiz exame de admissão, estudei, quando vim pra São Luís fiquei num pensionato na Rua de São Pantaleão, um pensionato de meninas e meninos. Colocavam as meninas em cima, no sobrado, e os meninos embaixo. Para não ter perigo, porque não podia namorar.
Enquanto pai, como o senhor se sente cada vez que um de seus filhos é questionado ou criticado?
Eu sempre fui um pai muito afetivo com meus filhos. Eu sempre disse a eles que pai a gente não escolhe, já nascemos com um pai, mas amigos era coisa que na vida a gente tem que construir e é difícil. E queria que fossem meus filhos e meus amigos. Então eles se transformaram todos em meus amigos. E temos uma relação muito afetuosa, de muita intimidade, de muita liberdade. Eles são também muito rigorosos comigo. E qualquer coisa que tem com eles em mim eu sinto multiplicado mil vezes. Enquanto pai e enquanto amigo.
E com o senhor.
Comigo eu vivo, aguento, eu sei administrar. Com os filhos é difícil.
Política
A política, literatura e família são coisas fortes na sua vida. Mas o senhor se considera mais um literata, um político ou um homem de família?
Eu sempre tive uma grande consciência de que a família é a base, o núcleo da vida da gente. A política para mim foi destino. Não foi a vocação. A vocação é a literatura. Eu achava que eu iria ser um escritor. Só um escritor. Mas ai eu entrei... e O Imparcial entra nessa história, eu passei num concurso de reportagem para o jornal, tirei o primeiro lugar e fui contratado. Então eu fui repórter do setor policial durante dois anos, depois eu fui, aquele tempo a nomeclatura era outra, secretário do jornal, redator, depois editorialista. E dirigi um suplemento literário que era a minha menina dos olhos.
Nesse tempo, sempre com foco na literatura...
Sempre de olho nela. Mas o jornalismo sempre leva a gente questionar a sociedade. Então, a partir daí eu comecei a me envolver politicamente. Até porque com a minha qualidade de ser um pouco levado a liderar eu cheguei no colégio e já fui presidente do Centro Estudantil, da União Maranhense dos Estudantes, do diretório de nossa faculdade, representante na União Nacional dos Estudantes (Une) do Maranhão e comecei a fazer a política estudantil. E ela me levou a me envolver na política partidária porque era na campanha do Brigadeiro Eduardo Gomes contra o Getúlio (Vargas), e naquele tempo eu era muito contra o Getúlio. Então fui na juventude brigadeirista e minha geração era de muitos ‘ismos’, comunismo, integralismo, e eu não aderi a nenhum ‘ismo’. A literatura me levava a ser um liberal, um humanista. E a partir daí eu comecei entrar na política.
E o senhor ficou cada vez mais envolvido...
E eu era muito novo, a sedução era muito grande. Eu fui logo convidado para ser deputado federal, com 24 anos. De maneira que eu entrei como candidato e não me elegi. Mas fiquei suplente. E com a morte do Lima Campos, um deputado da época, logo em seguida eu assumi. Então, em 1955, com 25 anos, entrei para deputado federal. Para mim foi um deslumbramento. Eu via os líderes que existiam, o Fábio Mangabeira, o Carlos Lacerda, todos fazendo parte da bancada do partido que eu pertencia. A partir desse instante então fui candidato pela segunda vez, já tinha 28 anos, e fui o deputado mais votado pela oposição no Maranhão. E a partir daí fui me afastando da literatura que eu me dedicava totalmente. Mas eu sempre fui um grande leitor. No meu tempo de estudante, como eu não tinha livros, eu ia para a biblioteca e ficava lendo até a biblioteca fechar.
O que mais lhe entristece na política hoje?
A política é uma coisa cruel. A gente lida com a crueldade, com a ingratidão, que é uma coisa que a gente tem que se preparar para compreender pouco a pouco. E depois, como eu sou cristão, eu consegui uma coisa que me dá uma certa tranquilidade, que Deus me ensinou: 'perdoai seus inimigos'. Isso é muito difícil na política. Mas eu... se Ele fez tanta coisa por mim, na minha carreira, me encheu de estrelas, então eu não tenho o direito de negar a Ele um mandamento que Ele me dá. Eu consigo perdoar todos os meus inimigos.
A gente pode dizer que hoje a política lhe faz mais mal?
Eu sempre tive uma ligação de muito atrito com a política. Porque ela lida com realidades e a literatura com abstrações. E eu, me considerando um humanista, acho que é uma coisa que não se pode conciliar. Mas, evidentemente, que ela tem um lado humano. Eu considero que a política foi feita para o homem e não o homem para a política. A gente tem que saber... e ela me deu tantas oportunidades ao longo da vida, de trabalhar para os outros, porque se entra para política com o objetivo de mudar o mundo, mudar a sorte das pessoas, de nosso estado, do país e até da humanidade.
Maranhão
O senhor é senador pelo Amapá e presidente do Senado, que é uma casa de todos. Mas qual a sua relação com o Maranhão e como o senhor busca contribuir para o estado onde nasceu e se formou como um político?
Eu posso dizer que o Maranhão não passou um só dia em que não tivesse ele como inspiração de toda minha vida. Isso não é uma palavra só. Minha formação toda foi feita no Maranhão. Minha aventura de menino do interior, com meu pai peregrinando por todo o interior do Maranhão numa época que nem estrada tinha, de muita miséria. Isso sem dúvida alguma marcou muito meu lado humano, pelo qual sempre fui um político marcado pelo social. Tanto que o lema do meu governo, enquanto presidente, foi "Tudo Pelo Social". O Maranhão é sempre uma saudade, um amor que não passa. Acho que a minha geração teve a grande oportunidade de dar uma contribuição ao Maranhão extraordinária.
Fale sobre essa contribuição.
Nós encontramos o Maranhão no século 19 sem nada e iniciamos a era do planejamento. Foi o momento em que todos nós, e eu tive a sorte de ser o líder dessa geração, junto com Bandeira Tribuzi, Belo Parga, Madeira, Ivaldo Macieira, nós formulávamos e eu entrei na política com essa determinação. E conseguimos porque, na realidade, a partir de então, não tinha sido feito um planejamento de criar uma infraestrutura do Maranhão. Porque sem infraestrutura nada acontecia. Nós não tínhamos estradas, universidades, energia, transporte, comunicação, não tínhamos nada. E São Luís era apenas uma cabecinha do estado, isolada ali por 300 quilômetros de campos alagados em torno dela. Então nós tínhamos primeiro que restaurar a integração do estado. Para isso nós identificamos primeiro o porto, em torno do porto nós saímos, fizemos a Boa Esperança, levamos uma estrutura de energia para o Maranhão que hoje é uma das melhores que nós temos na região, que de tal modo possibilitou uma fábrica de alumínio. Traçamos as estradas, criamos as duas universidades, feitas por mim. Na época, eu tinha um lema que dizia “uma escola por dia, um ginásio por mês e uma faculdade por ano”. E isso ocorreu. Porque só tinha um ginásio no Maranhão, que era o Liceu Maranhense, no qual eu estudei. Era o único ginásio oficial no Maranhão. Então eu interiorizei os ginásios. Criamos 72 deles. E hoje a gente já vê como desdobramento disso a expansão do ensino superior no interior do Maranhão.
Mas, no Brasil, as pessoas veem estado como muito pobre...
O Maranhão hoje é o décimo sexto estado do país em PIB (Produto Interno Bruto). Quando falam dos índices sociais do Maranhão eu sempre digo: pior são os do Brasil. Por que o Brasil é hoje a sétima economia do mundo e 81 em seus índices sociais. Existem dois mil índices. Nós somos ruins em alguns e outros somos bons. A gente vê que criaram essa coisa, que foi a coisa mais danosa já feita para o estado do Maranhão, foi o governo, há algum tempo, ter se empenhado para divulgar que o Maranhão é um estado pobre. Para me atingir eles atingiram o estado. Achando que para me atingir precisavam atingir o estado. Então isso foi um crime contra o Maranhão. Hoje é difícil desmontar uma campanha contra o estado. Acho que foi uma coisa deplorável. Um primarismo, uma falta de visão. Isso não foi só contra o Maranhão. Foi contra todos nós, de um estado que sempre teve uma grande alto-estima. E procurou se destruir essa alto-estima. Hoje nós temos que reconstruir o orgulho do Maranhão, a cultura do Maranhão, a literatura.
Qual peso o poder acumulado até hoje exerce em sua vida?
O poder sempre passou por mim, mas nunca me atingiu em nada. Sempre fui o homem simples que procurei ser, de vida austera. Ele nunca me perturbou, até porque eu sou muito seguro das minhas coisas, das minhas limitações, das possibilidades. Então isso o poder não me destruiu e nem me modificou. Eu sempre tive preparado para saber o que ele tem de bom e o que ele tem de mal. E sempre me fiz resistir e combater o que ele tem de mal e aproveitar o que tem de bem.
O senhor já anunciou que este é seu último mandato. Ainda está firme nesta decisão?
A Virgílio Távora (político paulista) disse que só existem duas maneiras de se abandonar a política. Ou o povo larga a gente ou a gente larga o povo. E hoje eu cheguei a conclusão que existe uma terceira: a idade. Mas isso não significa que vou deixar de exercer. Até o fim da minha vida eu vou me dedicar, porque a política é sempre uma maneira de lutar coletivamente. As pessoas que não conhecem a política, a imagem do político, deformam as pessoas. Mas na realidade o verdadeiro político é aquele que vive permanentemente pensando no coletivo. Isso eu vou ficar até o fim da minha vida. E vou ficar escrevendo também. Eu tenho gosto pela escrita. Gosto das palavras. É a minha verdadeira vocação. As vezes eu até digo que não gosto da política, gosto é da literatura.
Literatura
Hoje, qual a tarefa principal do literata Sarney?
Eu escrevi 64 títulos. E continuo. Agora estou terminando as minhas memórias. Acredito que até o próximo ano ficará pronto. Porque quando a Regina Echeverria (autora de Sarney, a Biografia) me procurou para escrever a minha biografia ela me pediu e eu assumi com ela o compromisso de não publicar as memórias antes desse livro. Ela me deu um prazo de um ano e meio e levaram cinco anos fazendo. (risos)
Agora atrasou o projeto....
Atrasei e estou num trabalho de reescrever o que ela colocou no livro para não repetir as mesmas coisas. Estou debruçado neste projeto e estou inconcluso um romance que eu tenho que é O Solar dos Tarquínios, que se passa num casarão no Centro de São Luís, um casarão bonito, na Rua Afonso Pena, onde até já funcionou O Imparcial durante alguns anos. É a história de três velhos que não morrem nunca e eles ficam ali dentro contando histórias.
Qual o livro da sua vida?
Olha, o maior livro que já se escreveu eu acho que foi Dom Quixote. Acho que dentro dele não tem só um livro. Mas muitos livros. Outra obra que também me marcou muito, que acho fantástica, são as “Memórias de Além Túmulo”, de (François-René) Chateubriand. Entre os autores, Guimarães Rosa, para mim, é um escritor fantástico, acompanhei sempre a obra que ele escreveu e acho que é extraordinária. E sem dúvida considero o ponto alto da nossa literatura a fase do regionalismo, que Oswald de Andrade chamava de “Búfalos do Norte”, quando se criou o romance nordestino, da seca, com Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rêgo, Raquel de Queiroz... E não podíamos deixar de lembrar de um livro fundamental da literatura brasileira que é o livro de Joaquim Nabuco, “Um Estadista do Império” que para tratar da biografia de seu pai ele construiu uma história de todo o império e da vida política daquele tempo todo. Sobretudo, é um livro muito bem escrito. Acho que ainda hoje poucos escritores escreveram tão bem quanto Joaquim Nabuco.
Infância
Aos 81 anos, a idade lhe impõe muitas limitações?
Não. Eu me considero como se eu tivesse em absoluta aptidão para viver. Agora, cada idade tem seu tipo de vida. Eu procuro todo dia aprender uma coisa, tô sempre estudando, sempre me atualizando, sempre com essa preocupação de acompanhar o mundo. Agora eu sempre fui meio hipocondríaco, eu sempre acho que estou doente. Eu sou o próprio doente. (risos)
Desde a infância?
Desde a infância, desde menino eu sempre tive essa ideia. Então vivo preocupado. Qualquer coisa fico encucado. Eu sou um grande leitor de bula. Já me deram no Hospital Sírio Libanes uma bata escrito Dr. Sarney, porque eu chego lá e eles já perguntam: ‘Eu quero saber os remédios que o senhor já receitou’. (mais risos)
Do que o senhor mais sente saudade?
A grande saudade, acho que de todo mundo, e Jung (Carls Gustav Jung, fundador da psicologia analítica) trata isso, eu tenho muita saudade da minha infância. Eu associo a palavra felicidade à infância. O que é a felicidade? É a infância. Porque é um tempo que nós não temos nenhuma preocupação, nenhuma angústia e é quando a gente começa a descobrir o mundo, a beleza das árvores, das pessoas, a amar as pessoas, a mãe, o pai avós, irmãos.
Na infância sempre temos uma figura marcante. Quem marcou a vida do presidente Sarney?
Olha, marcou desde o princípio até o fim, que foi minha mãe. Eu sempre tive uma relação com ela que nunca tive com ninguém. Era uma relação de sublimação, amizade, amor, tudo. Uma admiração. Eu até hoje não entendo o mundo sem a minha mãe. (Sarney silencia, de olhos marejados).
Qual foi o principal ensinamento dela?
O carinho, o amor. Eu nunca vi minha mãe levantar a voz com ninguém. Nunca vi ela brigar com ninguém, nem reclamar de nada. E, sobretudo, como ela era muito religiosa, tinha um gosto pela penitência. Ela gostava de fazer penitência. A oração dela era muito forte. Eu dizia que ela já tinha uma intimidade muito grande com Deus. Quando eu fui candidato a vice-presidente, eu falava com ela todo dia, e dizia: 'A senhora está vendo isso? Estão falando no meu nome... o que a senhora acha... e tal'. Ela disse um dia: 'Olha, quando vocês nasceram eu entreguei vocês a Nossa Senhora e pedi que ela fizesse por vocês tudo que pudesse fazer de bem. Mas outro dia eu falei com Jesus e pedi o seguinte: ‘Jesus, se o senhor puder ajudar o José, ajude'’. (risos)
Para encerrar, qual o ponto fraco do presidente Sarney?
De modo geral eu sou um frágil. (risos) Muitas vezes eu sou acusado de ser muito calmo, de não reagir, não gostar de briga, de atrito. Eu me dei bem com isso até hoje porque que eu vou modificar? De maneira que eu sempre vejo nas pessoas também o lado que eles veem a gente. É um ponto fraco, mas é um ponto forte.
A entrevista acaba. A pedido de nosso fotógrafo, Sarney atravessa a sala da residência oficial e vai ao jardim. Senta em meio a árvores para uma sessão fotográfica, que leva mais tempo que o programado. Ao fim ele levanta e, sorrindo, concluiu: "Quer saber de verdade qual é o meu ponto fraco? Quando Roseana me liga zangada pra brigar comigo”
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