Para o Valor Econômico
O programa de demissão voluntária (PDV) para servidores federais sinaliza a disposição da administração Michel Temer em cortar despesas obrigatórias, embora a economia com a medida não seja significativa, ainda que atinja o potencial de R$ 1 bilhão estimado preliminarmente, afirmaram economistas. Para eles, a adesão dos funcionários do Executivo deve ser baixa, devido à dinâmica da carreira pública. Para atacar o gasto com a folha salarial, o governo deveria suspender reajustes já anunciados, que vão consumir bilhões de reais nos próximos anos.
"O governo está deixando claro que não há mais espaço para corte de despesa discricionária, que é preciso caminhar para corte de gasto obrigatório, essa sinalização é importante", diz a economistachefe da XP Investimentos, Zeina Latif. A iniciativa também é positiva se incentivar Estados a seguirem esse caminho e se estimular a discussão sobre estabilidade do funcionalismo, acrescentou.
Para ela, diante da possibilidade de que a adesão ao plano retire o direito de se aposentar pelas regras do setor público, é mais provável que o PDV atraia servidores com pouco tempo de carreira, já enquadrados na nova regra, sem direito à aposentadoria integral. "Quem é da regra antiga não vai entrar de jeito nenhum, porque vai perder a integralidade", diz.
Fábio Klein, economista da Tendências Consultoria, diz que um PDV é menos atrativo na carreira pública que no setor privado. Estabilidade e salários elevados do funcionalismo federal são fatores de desincentivo, afirma. Também a redução de carga horária não deve ter grande adesão, posto que a jornada dos serviço público não costuma ser exaustiva, acredita.
Para ele, dada a rigidez do mercado de trabalho público, o PDV é a saída possível diante da necessidade de ajuste de folha. O plano seria também uma forma de mitigar os reajustes do funcionalismo concedidos recentemente.
Gil Castello Branco, do Contas Abertas, entidade que acompanha o orçamento público, diz que são justamente os reajustes que deveriam ser o foco. Para ele, [R$ 1 bilhão "não é uma economia relevante". "Se fosse para economizar mais, outras medidas seriam mais eficientes, como a suspensão dos aumentos salariais que estão por vir", afirmou.
Reajustes para várias categorias do funcionalismo têm impacto total estimado pelo Ministério do Planejamento em R$ 67 bilhões de 2016 a 2018.
André Gamerman, economista da Opus Investimentos, tem a mesma opinião. De acordo com o economista, de 2015 a 2016 a conta do funcionalismo público cresceu aproximadamente R$ 20 bilhões incluindo aumento de salário ("a maior parte") e contratações.
"Essas pessoas têm um privilégio enorme. Você não poder ser demitido em um país em que o desemprego está em quase 14%, é um benefício que tem um valor enorme. Em um período de crise, eles precisam dar sua parcela de contribuição, e a melhor maneira de fazer isso é ficar pelo menos um período sem reajuste", afirma.
Para ele, R$ 1 bilhão por ano que o governo calcula ser possível economizar teria impacto praticamente nulo nas contas públicas. A melhor solução para economizar gastos com pessoal, diz, seria que os reajustes concedidos ficassem abaixo da inflação ou até não ocorressem nos próximos anos. "A maioria das pessoas que acompanham o setor público concorda com isso", afirma Garmerman, que também não prevê adesão expressiva. Zeina defende a suspensão dos reajustes por pelo menos dois anos, como medida emergencial.
Castello Branco considera incoerência do governo anunciar um PDV e não reduzir o número de funções comissionadas e com gratificações, que nos últimos 12 meses girou em torno de 100 mil cargos, segundo o Painel Estatístico de Pessoal (PEP), do Ministério do Planejamento. O Executivo federal tem 625,6 mil funcionários ativos.
Para Castello Branco, o PDV é uma medida "sacada do bolso, para passar a impressão de que o governo está fazendo a lição de casa" quanto à despesa pública.
Professor de economia da Fundação Getulio Vargas, Nelson Marconi acredita que o governo deveria ter avaliado as áreas com maior escassez e sobra de mão de obra, para lançar um programa direcionado, com maior efetividade.
Segundo ele, a economia estimada não é desprezível, mas o governo talvez esteja superestimando o valor, diante da possibilidade de baixa adesão. Ele defende que, no atual momento de recessão, os reajustes de servidores deveriam estar "no mínimo arrefecidos".
De acordo com dados do PEP, os gastos com servidores civis ativos e inativos do Executivo foram de R$ 156 bilhões em 2016. No primeiro semestre de 2017, essa despesa foi de R$ 89,74 bilhões.
Castello Branco também não crê em adesão maciça, mesmo com a indenização de 1,25 salário por ano trabalhado. No caso daqueles ainda em idade ativa, o contingente de 14 milhões de desempregados no país deve desestimular o servidor a deixar o setor público e seus consequentes benefícios. "É improvável que aqueles em funções de carreira muito bem remuneradas, como aquelas da Receita Federal, do Tesouro Nacional deixem o serviço
público", diz. Seja como for, é difícil estimar qual seria a adesão até mesmo dos servidores com salários menores, defende.
De acordo com os números mais recentes do Planejamento, 23% dos servidores federais ativos recebem remuneração acima de R$ 13 mil mensais. Entre os inativos, esse percentual é um pouco menor, de 17,53%. Outros 20% dos ativos estão na faixa entre R$ 3,5 mil e R$ 5,5 mil e 17%, entre R$ 5.501 e R$ 7.500. São salários bem acima do salário médio recebido pelo trabalhador do setor privado brasileiro com carteira assinada, de R$ 2.011 mensais, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Marconi, da FGV, aposta em sucesso maior da redução de jornada do que do PDV, pela possibilidade de o servidor exercer outra atividade no resto do seu tempo. No entanto, o economista também vê como um contrassenso o governo lançar um plano de demissões depois de dar uma série de aumentos salariais ao funcionalismo.
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