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terça-feira, 19 de agosto de 2014

Artigo semanal do ex-presidente e senador José Sarney


De convenção em convenção


Há 60 anos, exatamente em 1954, eu comparecia à primeira convenção partidária, para concorrer a uma cadeira de deputado federal. Agora, em 2014, eu compareci a outra convenção, para dizer que não desejava mais ter cargos eletivos. Foi, talvez, o discurso mais difícil da minha vida. Em Macapá, era esperado no aeroporto por mais de cinco mil pessoas, bandas de música, faixas e a militância de quase todos os partidos a gritar e exigir de mim: “Fica Sarney.”

Muitas vozes se diziam órfãs, que o Amapá vai desaparecer da presença nacional e o Estado vai parar, porque as obras que ali existem fui eu quem as fez — três hidrelétricas, universidade, colégios do antigo Cefet, hoje Ifap, hospital da Rede Sarah, Zona de Livre de Comércio, Zona Franca Verde, estradas, ponte para a Guiana Francesa, no Oiapoque, recursos para escolas, saúde, saneamento e o porto de contêineres, entre outras.

O povo é reconhecido pelo que fiz. Na convenção, comovido, vendo tanta gente chorar, pedi que me ajudassem compreendendo minha decisão, e com o coração de joelhos aceitassem que, depois de 60 anos de mandatos, Deus me pedia que eu desse mais tempo para cuidar da saúde, da minha mulher e da minha família, e concluísse os livros inacabados.

Não vou abandonar a política. Ela, como eu disse ao ingressar na Academia Brasileira de Letras — onde sou o decano, o mais antigo membro —, que a política só tem uma porta, a de entrada. Virgilio Távora me dizia que só se saía da política quando o povo largava a gente ou a gente largava o povo. Eu descobri outra maneira, a idade. Já não tenho o vigor dos meus 24 anos, do primeiro ano da primeira campanha.

Ocupei todos os cargos políticos da República, chegando mesmo a ser presidente. Sou o senador que mais tempo passou no Senado, do qual fui presidente quatro vezes: 39 anos. Atrás de mim vem Rui Barbosa com 32 anos.

Dividindo a política com a literatura, publiquei 145 títulos, alguns deles traduzidos em 12 línguas. Sou das Academias Maranhense e Braziliense de Letras, da Academia de Ciências de Lisboa, doutor por algumas universidades estrangeiras, entre as quais muito me orgulham a de Lisboa e a de Pequim. A França me condecorou com a mais elevada honraria mundial, a Grã-Cruz da Legião de Honra, criada por Napoleão.

O que eu quero mais senão agradecer a Deus a vida que me deu, as estrelas que colocou em minhas mãos? Vou dar qualquer importância aos que me insultam? Eles, daqui a alguns anos — e eu desejo que Deus lhes dê muitos e muitos —, serão apenas o esquecimento dos ossos. Não tenho direito de odiá-los nem de ter ressentimentos. Encerro uma etapa da minha vida, vitorioso e sem mágoas.

Com a obrigação de ir à convenção do PMDB no Amapá, estive ausente da festa em São Luís, que consagrou Lobão Filho nosso candidato, uma revelação como líder da nova geração. Em um mês, sem propaganda e sem nada, apenas com o seu talento político, chegou aos 29% na última pesquisa, obrigando a empáfia do adversário a entrar em linha descendente e cair até a derrota. Sabe-se que agora, definido o quadro, o que conta é a tendência. Lobão Filho está subindo, o outro está caindo.

No Amapá as coisas vão bem também para o lado dos nossos amigos e aliados nessa nova jornada. Aliás, dizem que sou otimista demais, mas não é isso, trata-se de convicção, visão também, pois plantamos as sementes que irão garantir o Amapá como um grande estado da região amazônica. É só manter a pegada, como se diz atualmente.
Tenho verdadeira paixão por esta terra. Foi aqui que os eleitores me acolheram. Foi do povo amapaense que recebi um novo impulso. Retribui, devolvendo ao estado o que realizei, e tudo do que aqui foi feito de grande nesse período, passou pelas minhas mãos, até os adversários.

Vejo a felicidade dos meus anos e a mão da Deus.

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