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domingo, 4 de janeiro de 2015

“O Amapá vai ser um dos grandes estados da Amazônia. Ele tem tudo pra isso”.

O ex presidente fala dos fatos marcantes de sua carreira e como projeta o futuro do Amapá no cenário regional.
Ele voltou a ser o personagem da semana no Congresso Nacional. O Senado praticamente parou por uma hora para que José Sarney pudesse ocupar pela última vez como senador da República a tribuna do plenário. Foi seu último discurso nessa condição. Dentre tantas coisa que disse, uma causou indevida exploração por parte de alguns adversários, que foi ter dito que se arrependia de ter retomado a carreira política depois de deixar a Presidência. Para ele, o erro é do sistema, que deveria colocar os ex presidentes num outro patamar, mas ainda podendo ajudar o país. Esses e outros temas foram esclarecidos com Sarney nessa entrevista concedida aos jornalistas Cleber Barbosa e Garcia Brito. Acompanhe a seguir os principais trechos que o Diário do Amapá publica neste domingo.

Cleber Barbosa
Da Redação

Diário do Amapá – O seu mandato de senador está terminando no começo do ano e o senhor confirmou aquilo que havia dito, ou seja, não mais disputar cargos eletivos. Essa decisão foi motivada pelo que senador?
José Sarney – Virgílio Távora me dizia que a política só tinha uma porta, pra gente sair, ou o povo largava a gente ou a gente largava o povo. Fora daí, não havia meios de sair da política. Comigo não aconteceu isso, nem eu larguei o povo, nem o povo me largou. Tinha absoluta certeza que seria reeleito senador, mas a idade é outra concorrente que não estava incluída. Eu tenho 85 anos e não queria de maneira nenhuma com mais oito anos de mandato, que eu me transformasse num velho arrastando os pés no Senado sem poder cumprir com meus deveres e nem com aquela vontade que eu sempre me dediquei ao trabalho parlamentar e à política.

Diário – A chamada política de resultado?
Sarney – Sim, mas de maneira que eu achei que era muito melhor eu sair agora enquanto eu estou em plena vitalidade, fazer um pouco como o Pelé que encerrou a carreira quando ainda estava no auge... [risos] Outra razão muito importante para deixar a política, foi o problema de saúde da minha mulher, que me obrigou já há um ano e cinco meses a ter muito mais obrigações de tratá-la. De maneira que não poderia mais deixar de assisti-la. Com 63 anos de casados, eu já sou enfermeiro dela e ela é minha enfermeira... [mais risos] Então, depois de fazer três operações, ela está andando de cadeira de rodas eu tenho que fazer companhia pra ela e dar maior assistência possível. Tanto que eu não pude me dedicar mais à política neste ano que passou, o que determinou de certo modo, eu ter deixado de ser candidato como também a minha participação no processo eleitoral foi muito menor.

Diário - O senhor acha que deveria ter tomado essa decisão antes? O senhor fez um discurso no Senado dizendo que talvez se não devesse ter assumido nenhum cargo depois da Presidência da República. O que o senhor quis dizer exatamente com isso?
Sarney - Isso não tem nada que ver com problema pessoal. Eu fiz um discurso propositivo, eu fiz um discurso de um homem de estado, eu fiz um discurso de um homem que tem noção de que hoje a ciência política determina. Então, eu acho que dentro desse arcabouço, para se criar politicamente, ao deixar a Presidência da República, ele [o presidente] não pode se envolver em nenhuma atividade partidária.

Diário – Por que presidente?
Sarney - Por que a partir daí ele tem que tomar partido. Tendo sido presidente, deve recolher a experiência que teve para servir a todo povo brasileiro. A estar à disposição da necessidade que toda nação tenha de um homem parcial a serviço de trabalhar pelo país. Participando da política partidária, ele é obrigado a se envolver na luta partidária. E isso prejudica aquilo que ele tem que dar para o país. Por isso que eu tenho essa convicção e disse isso dentro de uma concepção política., baseado inclusive nos Estados Unidos que têm esse sistema, ou seja, quem foi presidente não pode depois ocupar nenhum cargo nem público nem privado, ele é obrigado a ser um homem só destinado a servir ao país nas missões que forem do interesse nacional.

Diário - Alguns adversários políticos seus usaram fragmentos do seu discurso para dizer que o senhor havia se arrependido de ter sido senador pelo Amapá. Essa passagem tão marcante pelo Amapá, para o senhor tem que representatividade?
José Sarney - Eu disse isso naquele discurso, agradeci ao povo do Amapá. Tive a oportunidade de servir ao povo do Amapá e o Amapá me deu um apoio extraordinário. Eu quero bem ao Amapá, tenho amor ao Amapá e sem dúvida alguma, se fosse o sistema de continuar dessa maneira de ser candidato, eu seria candidato não só uma vez, mas duas, três, quatro, cinco vezes mais. Mas infelizmente o criador não permite por que limitou a vida da gente.

Diário - O senhor diria que aquele modelo do Interaction Council que o senhor faz parte juntamente com outros ex presidentes e ex chefes de estado seria o ideal, ou seja, reunir todo esse PIB intelectual para pensar e conceber soluções para os grandes problemas da humanidade?
Sarney – Eu acho que sim, pois desse colegiado participo eu, participa o Clinton, participa o Carter, o Gorbachev, o Helmut Smith, o Jacques Chirac, o Tony Blair, enfim, é esse o sistema, a função de um ex presidente. Estou convicto disso. Foi nesse sentido que falei [do arrependimento], falei dentro de um contexto, o contexto do voto distrital, no contexto do parlamentarismo, da mudança do voto uni nominal, do contexto do voto misto, enfim, das listas partidárias, da modificação dos partidos.

Diário - Foi mal interpretado então presidente?
Sarney – As pessoas que interpretaram assim ou por má vontade ou por má fé dizem diferente. Ou por falta de cultura. Ou por falta de conhecimento. Ou por fata de saber o que é a atividade política, o que é a ciência política.

Diário - Com relação ao Amapá, o senhor sempre se mostrou muito otimista. O senhor diria que essa posição estratégica, todas essas condicionantes e potenciais é o que ainda fazem Sarney acreditar e ser otimista com relação ao futuro do estado?
José Sarney - O Amapá vai ser um dos grandes estados da Amazônia. Ele tem tudo pra isso. Ele está preparado. Eu estou deixando o Amapá preparado, com infraestrutura, três hidrelétricas, exportando energia, recebendo energia de Tucuruí, com banda larga e com um porto completo e estruturado. É o único estado que tem Área de Livre Comércio e que ainda terá a Zona Franca Verde e a Zona de Processamento de Exportação. Tudo isso vai funcionar. A área de livre Comércio foi a maior coisa que eu fiz. Foi o chute inicial. Sem a zona de livre comércio não teria acontecido nada disso. O Amapá não teria condições de se desenvolver, não teríamos condições de ter trabalho. Sem a zona de livre comércio, a vida seria caríssima aqui que era e estaria estagnada, continuaríamos sendo a economia do contracheque do serviço público.

Diário – E ela contribuiu mais recentemente para uma mudança de eixo na economia local, pois agora não é mais o poder público quem mais gera empregos no Amapá, mas sim a iniciativa privada não é?
Sarney – Uma constatação do que estou falando. Hoje com a zona de livre comércio, nós temos um custo de vida mais barato. Ela criou empregos e dinamismo para o comércio local. O porto do Amapá que vai ser um grande exportador futuramente. Então, o Amapá tem tudo pra ser um estado com grandes recursos florestais, minerais, pesqueiros e perspectiva para se desenvolver ainda mais futuramente.

Diário – Sem contar a vocação mineral do estado, o senhor concorda?
Sarney – O Amapá tem tudo! Recursos minerais, recursos florestais e recursos pesqueiros. Além de termos minério de ferro, nióbio, todo tipo de minério, nós podemos ter cilício que já está ficando raro no mundo. O Amapá é uma grande reserva de cilício que nós temos no mundo e eu serve para transístores e outros materiais nobres.

Diário – Daí a importância que o Amapá tem para o senhor, como disse anteriormente?
Sarney – O Amapá é uma parte da minha vida. 20% da minha vida passei aqui e vivi aqui. Então, não há como apagar o que já faz parte do meu ser. Eu não posso tirar isso de mim, não como fazer isso? E tenho amor pelo Amapá, eu gosto do Amapá. Eu tenho um grande sentimento de carinho, de ternura pelo povo do Amapá que sempre me tratou com maior distinção e com maior respeito. Quero desejar a todas as famílias do Amapá, um excelente Natal, um bom ano novo e um grande futuro.

Perfil...

Entrevistado. José de Ribamar Sarney Costa tem 85 anos de idade, é advogado, jornalista e escritor. Começou a atividade política ainda estudante do Colégio Liceu, em São Luís (MA), tendo depois chegado a suplente de deputado federal, até vencer uma eleição para a Câmara Federal e depois elegeu-se governador do Maranhão e depois senador. Nos anos 1980 engajou-se na campanha pelas eleições diretas e pouco depois compôs como vice a chapa vitoriosa do Presidente Tancredo Neves, que faleceu antes da posse. Sarney assumiu as rédeas do País e conduziu o período da redemocratização, da Constituinte e da volta das eleições diretas para Presidente. Depois foi eleito senador pelo Amapá e está no terceiro mandato consecutivo.

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