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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

"Fronteira não é para separar, é para unir"

Um cientista francês roubou a cena durante o seminário que debateu as perspectivas para a cooperação transfronteiriça entre o Brasil e a Guiana Francesa depois que a ponte sobre o Rio Oiapoque for inaugurada. O evento aconteceu na Assembleia Legislativa do Amapá, na última sexta-feira, quando o professor Hervé Thierry , que atualmente atua também na Universidade de São Paulo (USP), falou abertamente sobre suas reflexões a respeito dos entraves, mas também dos avanços que brasileiros e franceses já conseguiram a respeito das possibilidades de trocas comerciais, culturais e intelectuais a partir da ligação física entre o Amapá e a Guiana Francesa. Casado com uma brasileira e andando pelo Brasil há quase quarenta anos, Hervé Thierry fala um bom português e concedeu uma entrevista exclusiva ao jornalista Cleber Barbosa, do Diário do Amapá, sobre diversos temas relacionados à cooperação. Acompanhe os principais trechos, a seguir.


CLEBER BARBOSA
DA REDAÇÃO


Diário do Amapá - Professor, o senhor é de que região da França?
Hervé Thierry -
É complicado, eu nasci no Norte, me criei no Oeste e moro em Paris, então sou um francês desenraizado, né?
Diário - Mas a cidade onde o senhor nasceu se chama como?
Hervé -
Chama-se Sonoma, mas é completamente desconhecida, é muito pequena...
Diário - Bem, e no período em que o senhor morou lá, uma região que tem muitos países próximos, não é mesmo, fazendo fronteira?
Hervé -
Sim, próximos, menos de sessenta quilômetros da Bélgica, é muito próximo de lá.
Diário - E como se dá essa relação fronteiriça, não apenas com a Bélgica, mas com outros países próximos da França?
Hervé -
Bom, até 1993 era uma fronteira mesmo, tinha que apresentar passaporte e tudo. Agora, com a União Européia, não tem mais fronteira, acabou, tiraram as guaritas, tiraram tudo e a gente não pára, só desacelera na pista dupla, vai sem parar.
Diário - Então como é para o senhor atravessar o Atlântico, apesar de estar radicado hoje em São Paulo, mas vir ao Amapá onde o seu país tem a maior fronteira que a França possui com qualquer outro país do mundo?
Hervé -
É, eu sabia, pois sou geógrafo, tenho que saber essas coisas, mas é interessante realmente e eu falei sobre essa transformação na Europa para dizer que espero que aqui aconteça a mesma coisa, pois fronteira não é para separar, normalmente é para unir, então eu gostaria muito que a construção dessa ponte seja a ocasião para melhorar as relações, facilidade para cruzar, para conviver e para trabalhar juntos.
Diário - Um dos entraves que se sabe é que a estrada do lado francês, entre Saint George e Régina, foi feita dentro de um conceito de estrada-parque, com li-mites de toneladas por eixo diferente do Brasil, o que pode prejudicar o transporte de cargas. Como resolver esse impasse?
Hervé
- É verdade, mas por enquanto isso não pesa muito porque a previsão do trânsito nessa estrada por enquanto é pequena, então para os anos que vem não tem muito problema. Se mudar, podemos repensar, mas esta foi a condição da criação desta estrada. Uma vez criada se pode repensar quando for necessário, mas ainda não é o caso.
Diário - Professor, e com relação às trocas comerciais, é muito grande a expectativa por parte do Brasil sobre a possibilidade do comércio acontecer, apesar das medidas de protecionismo da União Européia. Como o senhor vê essa situação?
Hervé -
Eu acho que tem até acordos locais, pois a Agência Francesa de Desenvolvimento está autorizada a promover, ajuda em investimentos da faixa de fronteira, que inclui, no caso, o Amapá inteiro e nesse caso qualquer mercadoria produzida nesta área, conjuntamente, entra em franquia. Então essa é uma das soluções que eu vislumbro, fazer empreendimentos conjuntos, uma coisa que eu cito sempre são frutos tropicais, que o Amapá tem muitos, basta ser enlatadas aqui, conjuntamente, para entrar em franquia, eu acho que enquanto tem dificuldades de acordos, mas acordos se mudam e já está sendo contemplado um acordo do Mercosul com a União Européia, que resolveria. Tem esse tipo de solução, de boa vizinhança.
Diário - A gente viu no seminário realizado sexta-feira em Macapá muitos acadêmicos, enfim a comunidade científica está se debruçando e produzindo trabalhos de pesquisa sobre o tema das relações transfronteiriças entre o Brasil e a Guiana Francesa, então o que poderá advir com o centro de biodiversidade franco-brasileiro?
Hervé -
Um intelectual como eu sempre vai dizer que produzir conhecimento já é um fim em si, mas claro que eu gostaria de ver isso sendo usado e é realmente um terreno de experiência formidável, pois os dois países têm muito a descobrir sobre biodiversidade e o seu uso. Não são só as belezas da biodiversidade, mas saber o que fazer com ela, então os dois países tem o que aprender sobre os erros e os acertos do outro. Eu gostaria muito que a cooperação franco-brasileira fosse simétrica, não é um país desenvolvido ajudar a um país subdesenvolvido, não é mais o caso, tem muitos casos que o Brasil tem muito a ensinar para os franceses também. Temos todas as condições para uma cooperação simétrica agora.
Diário - E onde a soberania dos dois países pode atrapalhar, pode podar essa troca de informações?
Hervé -
Não necessariamente, um corpo de doutrina que está bem estabelecido, como se trata de uma fronteira, a França, como você mesmo mencionou, tem uma porção de fronteira e já temos uma boa experiência de trabalhar com Bélgica, Espanha, Itália, enfim, não vou fazer a lista toda, e tem mecanismos de cooperação fronteiriça, tem carteira para os habitantes circularem, tem um monte de possibilidades a serem usadas. O Brasil ainda não tem muito costume porque é um país gigante que tem fronteira a maior parte do tempo em lugares vazios. A única região que tem realmente muito trânsito é na no Rio Grande do Sul, bem longe daqui, mas isso se aprende rapidinho.
Diário - Estima-se que existem vinte mil brasileiros na região do Platô das Guianas com algum tipo de pendência judicial no Brasil, o que ajuda a arranhar a imagem do nosso país perante os moradores da Guiana, que ainda assim tem no brasileiro uma mão de obra necessária, o que o senhor acha disso tudo?
Hervé -
É tem essa imagem, mas eu fui várias vezes em Caiena e quando você conversa com as pessoas dizem que quando se que arranjar trabalho de pedreiro... Então tem que arranjar brasileiro, porque dizem que eles bem, trabalham rápido, são sérios, então a imagem dos trabalhadores urbanos é muito boa, não é só os garimpeiros, os garimpeiros ninguém gosta porque realmente estragam a natureza. Mas eu não diria que a imagem do Brasil é só negativa, ela tem também aspectos positivos.
Diário - Há quanto tempo o senhor mora em São Paulo?
Hervé -
Em São Paulo são seis anos, mas ando nesse país há quase quarenta anos e casei com uma brasileira que ajuda bastante também né? [risos]
Diário - Então para a gente terminar, duas perguntas mais amenas. Que características do povo brasileiro o senhor diria que já assimilou?
Hervé -
Bem, tem gente que diz que não só o brasileiro, mas eu "caboclizei" (sic!), eu considero um grande elogio heim? [mais risos]
Diário - E que característica francesa o senhor não larga de jeito nenhum mesmo morando no Brasil?
Hervé -
Eu continuo chegando na hora e esperando as pessoas chegarem... [risada]


Perfil

O francês Hervé Thierry nasceu em 4 de dezembro de 1951 em Somain, França. É geógrafo político radicado no Brasil. Théry ajudou a introduzir no Brasil os conceitos e métodos da geografia regional francesa, profundamente renovada nos anos 1980 e 1990, especialmente a mo-delização gráfica (coremática). Fez seu doutorado em Geografia na Universidade de Paris (Panthéon-Sorbonne). Atualmente é pesquisador no Centre de Recherche et de Documentation sur l'Amérique Latine (CREDAL) do Centre National de la Recherche Scientifique em Paris, professor convidado da USP, e pesquisador convidado da Universidade de Brasília, a UNB.

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