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terça-feira, 19 de março de 2013

“O Brasil não vai ser resolvido por juízes, procuradores ou delegados de polícia”



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Da mesma forma como arregimentou admiradores, ao longo da brilhante carreira no serviço público, a contundência com que sustenta suas convicções, também lhe rendeu muitas inimizades e até ameaças de morte. Em sua passagem pelo Amapá, há dez anos, sua atuação firme contra os crimes do colarinho branco também o fizeram enveredar pela literatura, registrando em autobiografia os dissabores que enfrentou na vida e na profissão de procurador da República. De férias em Macapá, Manoel Pastana está de volta ao olho do furacão, por assim dizer, diante das novas reveleções que faz em aparições midiáticas como nesta entrevista ao Diário do Amapá.
Diário do Amapá – Há quanto tempo o senhor está no Rio Grande do Sul?
Manoel Pastana – Nove anos.

Diário – Então já toma chimarrão?
Pastana – É, tomo chimarrão só no inverno, no frio... [risos] No verão ainda não me acostumei, pois o gaúcho toma tanto no verão quanto no inverno.

Diário – E como mata a saudade do nosso açaí, que agora está até internacionalizado?
Pastana – Eu costumo levar açaí de Brasília, que é o mesmo daqui do Norte, todo congelado mesmo, pois toda a minha família mora em Brasília, compro lá e eu levo para Porto Alegre.

Diário – Tirando isso, o senhor teve alguma dificuldade para se adaptar ao Sul?
Pastana – Não, porque eu gosto tanto do frio quanto do calor, e lá você tem as quatro estações bem definidas, sobretudo o inverno frio e o verão quente, então me adaptei bem.

Diário – Nestas suas férias no Amapá o senhor tem sido bastante requisitado para entrevistas onde mostra que a velha retórica e a contundência com que combate a corrupção continuam as mesmas. O senhor anda com seguranças?
Pastana – olha, isso aí eu prefiro manter sob sigilo, até por uma questão de segurança... [mais risos].

Diário – Muitas pessoas pensam erroneamente, que por ser procurador da República, se parece com o trabalho do advogado da União. Pelo que a gente vê em sua atuação, quando é preciso chuta o balde até da União, não é?
Pastana – É. O advogado da União defende a União e acaba inclusive defendendo o governo, o que aliás nem deveria fazê-lo, principalmente em atos que ofendem a legalidade. Já o procurador da República defende a sociedade, ele é um fiscal da lei. Então, quando você defende a sociedade você muitas vezes se coloca contra atos do governo e a qualquer infrator. O procurador da República tem essa autonomia funcional para que ele possa exercer essa função com essa independência.

Diário – Mas toda essa independência já lhe causou problemas até mesmo na carreira?
Pastana – Sim. Isso já causou até ameaças de morte, já causou perseguição dentro da própria instituição. Eu se não tivesse a própria garantia constitucional, já teria sido demitido há muito tempo. Veja bem, qualquer procurador, qualquer membro do Ministério Público Federal tem a mesma garantia da magistratura. Um procurador não quer dizer que seja intocável, se ele cometer ato ilícito vai ser processado e vai perder o cargo, inclusive já houve casos assim. Agora, se ele age dentro da lei, como nós sempre agimos, mesmo você perseguido não conseguem te alcançar.

Diário – Enquanto o Partido dos Trabalhadores comemora neste fim de semana os dez anos à frente do governo federal, o senhor tem uma visão completamente diferente desse período, motivando inclusive a publicação de um livro com essa história?
Pastana – Eu não falo do ponto de vista político ou da gestão. O que a gente viu foi do ponto de vista jurídico, com isso que apareceu com o julgamento do Mensalão. Para mim, isso é apenas uma pequena parte do que de fato aconteceu. No meu entendimento, o que as provas indicam lá é que o principal envolvido, que é o ex-presidente Lula, sequer foi acusado, então lá no livro eu explico porque que ele não foi acusado e o que ele praticou. Eu detalho isso pois inclusive não é nenhuma novidade, pois já publiquei parte deste assunto no meu livro “De faxineiro a procurador da República”, na primeira e na segunda edições. Mas agora com esse novo livro, que é “Uma quadrilha no comando do Brasil”, eu trago informações mais atualizadas, principalmente com o resultado do julgamento.

Diário – O senhor não concorda com o resultado do julgamento?
Pastana – É, ele foi aquém do que de fato aconteceu. O principal envolvido não foi responsabilizado. Aquele que é considerado o líder da quadrilha, o José Dirceu, pegou uma pena quatro vezes inferior à do operador, que era o Marco Valério, ora, qualquer quadrilha o operador deve sofrer uma sanção menor do que a do líder dessa quadrilha. Por que isso não aconteceu? Porque simplesmente a investigação e a acusação foram equivocadas. O procurador-geral, Antônio Fernando, que ofereceu a denúncia, deixou, no meu entendimento, de agir de acordo com a lei, tanto é que eu representei contra ele.

Diário – Na sua juventude o senhor teve alguma experiência do tipo ser do contra, de oposição ou questionador de governos?
Pastana – Não. Eu nunca fui ligado a nenhum partido político, nunca me interessei por política partidária, e eu sempre falo disso nos meus livros que, queiramos ou não, os destinos de uma Nação são determinados pela política. Então, por conta disso todo cidadão deveria se interessar, no sentido de fiscalizar e entender o que é isso e cobrar dos nossos representantes. O Brasil não vai ser resolvido com procuradores, com juízes, com delegados de polícia. O destino do Brasil está nas mãos dos políticos, dos senadores, dos deputados, dos presidentes da república, dos governadores porque são eles que são responsáveis pela gestão, pelo destino. Eu quando cheguei aqui no Amapá era tachado de petista e confesso que tinha simpatia, sim, pelo partido, pois defendiam algo que eu também defendo, que é a lisura no serviço público, a preocupação com as pessoas mais carentes, que hoje eles até têm essa preocupação, mas de forma equivocada, distribuindo bolsas, não é?

Diário – A bolsa família, por exemplo?
Pastana – Pois é, eu nunca vi você acabar com a miséria, por decreto, porque no entendimento da presidente Dilma, dá para fazer isso por decreto, pois segundo um estudo de duvidoso êxito R$ 70 [setenta reais] seriam o valor para a pessoa deixar de ser miserável. Isso aí é um absurdo, pois a minha família sempre foi extremamente carente. Minha família é toda da Ilha do Marajó, e eu passei fome literalmente, mas minha mãe nunca permitiu que nós fôssemos mendigar nas filas que havia na época na prefeitura para pegar leite. O que ela nos ensinava aos cinco seis anos de idade, era vender pastel e outros salgados para a gente vender nas escolas e nas filas onde estavam as pessoas esperando os donativos da prefeitura.

Diário – E como foi o seu começo profissional?
Pastana – Quando eu cheguei em Brasília tinha muita facilidade para entrar no serviço público, se você tivesse um pistolão, pois os concursos públicos eram raros, bastava o ‘QI’, o quem indique. Eu já exerci vários cargos públicos, mas todos foram obtidos por concurso público, justamente com essa mentalidade de você conquistar o seu espaço.

Diário – Enquanto muita gente tem receio de repassar conhecimento, essa sua experiência em concursos públicos também virou obra literária, quando o senhor até fala das técnicas de memorização na hora de estudar. Isso significa que quando se aposentar no Ministério Público pode virar professor?
Pastana – Sim, eu pretendo. Eu acho que o conhecimento não tem limite e deve ser compartilhado e incentivado. Eu faço isso sempre que tenho oportunidade, em minhas entrevistas, palestras, nos meus livros e quando me aposentar talvez até em sala de aula... [risos]

Perfil..
/Entrevistado. Manoel do Socorro Tavares Pastana é autor do livro autobiográfico ‘De Faxineiro a Procurador da República’, membro do Ministério Público Federal (MPF), instituição na qual ingressou no ano de 1996, no cargo de procurador da República, por meio de concurso público de provas e títulos. Em dezembro de 2003 foi promovido a procurador regional da República (segunda instância). Atualmente está lotado na Procuradoria Regional da República da 4ª Região (www.prr4.mpf.gov.br), oficiando perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que tem jurisdição sobre os estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.

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