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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

José Sarney: “Somos todos filhos de Deus. Temos virtudes e defeitos...”


São 35 anos de Senado e quatro passagens pela Presidência da Casa. Com a experiência de quem viveu momentos importantes da história brasileira, o senador José Sarney (PMDB-AP) diz que não se prende com saudosismo ao passado. Em vez disso, prefere olhar para o futuro. Um futuro que, em sua opinião, terá o Brasil como protagonista no cenário político-econômico mundial.
Faz questão de dizer que o Brasil é hoje um país grande e único graças ao Senado, que ajudou a manter a unidade nacional. Para ele, modernização e transparência serão dois de seus principais legados nesta última passagem pelo comando da Casa.
Brasil, país do presente
Sempre fui muito otimista e nunca tive dúvida do grande destino de nosso país. Tivemos os anos dourados dos Estados Unidos, da Europa e do Oriente. Evidentemente que as únicas áreas do mundo ainda à espera do progresso da humanidade, da ciência e da tecnologia a serviço do homem são América do Sul e África. Acredito que chegou o tempo da América do Sul. O Brasil hoje ocupa mundialmente posição de destaque e começa a participar das decisões mundiais. Os países emergentes estão determinando que a distribuição do poder do mundo não seja mais unipolar, mas multipolar, a fim de que seja democratizada a tomada de decisões em nível internacional. Hoje somos a sexta economia mundial e realmente nossa marcha será para uma posição entre os mais desenvolvidos.

Oportunidades
No Brasil estamos vendo em passos largos a incorporação das classes mais pobres ao acesso à riqueza nacional. A República completou cem anos. Começou praticamente com um golpe militar, passou pelos bacharéis, que haviam formulado as teorias republicanas; pelos barões do café; pelos eruditos e teóricos; e depois pela participação de classes médias e de militares. Ultrapassamos tudo isso e chegamos a um operário no poder. Assisti a todas essas mudanças. Às vezes fui testemunha, às vezes, protagonista. Pude ver como o Brasil progrediu. Hoje podemos dizer que todas as classes brasileiras já participaram do poder e tiveram oportunidade. E, para completar, temos uma mulher no comando. Quando os americanos dizem que colocaram um negro na Presidência, podemos dizer que colocamos uma mulher.

Mundo em transformação
Vejo um mundo transformado. Saí do lápis e vi a caneta-tinteiro, depois fui para a caneta, para máquina de escrever, para a máquina elétrica e cheguei até o computador. No Senado, em 1995, as atas eram feitas a mão, com seis meses de atraso, à medida que as atribuições da casa aumentavam. Hoje temos acesso instantâneo a tudo. Foi uma revolução a que assisti. E, neste tempo, procurei me colocar sempre dentro deste mundo em transformação. Nunca me voltei para o passado, com nostalgia, pensando que no meu tempo tudo era muito melhor. Acho que cada vez o mundo melhora mais. Cada geração tem suas circunstâncias. Na política presenciei todos os sistemas que, na minha mocidade, julgávamos que mudaria o mundo, como comunismo, integralismo, fabianismo. De repente, verificamos que a melhoria da qualidade de vida da humanidade era feita mais por um cientista do que por todas estas teorias políticas. Foi o que aconteceu quando [Alexander] Flemming descobriu a penicilina, por exemplo. Isto significa o fim das ideologias, a morte das ideologias. O mundo do presente e do futuro é muito mais formado por países que dominam o conhecimento e a tecnologia do que por países dependentes. O desenvolvimento passa pela qualificação e educação. E o Brasil, infelizmente, ainda não encontrou este caminho.

A arte do possível
Como a sociedade democrática é uma sociedade de conflitos, cabe justamente à política harmonizar tais conflitos. Procurei pautar minha vida vendo a política desta maneira, procurando fórmulas de consciência. Significa que ninguém precisa esmagar ninguém e ninguém precisa passar por cima de ninguém. É necessário harmonizar os conflitos encontrando uma solução que seja possível. Então, voltamos à definição de Bismarck de que a política é a “arte do possível”.

Senado mais forte
Sempre me recusei a participar de mesas porque sempre fui pautado pela articulação política, pela liderança partidária. Ao mesmo tempo, eu era um homem, vamos dizer assim, na linguagem parlamentar, “de plenário”. Mas, em 1994, rendi-me aos apelos dos colegas e assumi a Presidência do Senado, quando esta era uma casa praticamente apagada. A casa legislativa mais importante era a Câmara dos Deputados. O Senado tinha uma posição de segundo plano em termos da visibilidade nacional e mudamos isso. O Senado ganhou em importância e visibilidade. É para onde todos vêm. Acham que aqui nós resolvemos tudo. Passamos quase a ser a bacia das almas, aquela onde as coisas querem que tudo seja resolvido, e imediatamente. Sentimos isso na maneira como somos visitados por todos. Nós éramos a casa dos estados onde se buscava o equilíbrio da federação, mas nos transformamos também no coração do legislativo brasileiro; passamos a ser uma esperança e, por isso, também agregamos muitas críticas.

Marca da gestão
Como eu disse, nós saímos das atas escritas à mão e hoje nós temos nossa administração toda informatizada. Uma das marcas que ficam da minha gestão é a da modernização. Temos uma casa absolutamente moderna, e não é fácil administrar uma casa colegiada. No futuro, quando se procurar saber quando realmente o Senado mudou, vamos encontrar que mudou quando nós conseguimos marchar para a modernização. A transparência da casa também evoluiu. O Plenário, por exemplo, era completamente vazio, não tinha controle de frequência, o que era muito censurado pela opinião pública. Hoje, temos controle, temos o tempo real. Todas as intervenções e tudo o que acontece é colocado no portal do Senado. Nada tem direito a ser escondido.

Interação com a sociedade
Na área de comunicação, somos pioneiros no Brasil com a criação da TV Senado. Houve também a criação da Rádio Senado e da Agência Senado. Além disso, a interatividade com a população brasileira aumentou. Basta vermos que o serviço Alô Senado recebe, por mês, 2 milhões de chamadas. Isso significa o quê? Significa que o povo está interagindo. O Portal de Notícias, por exemplo, tem 1 milhão de acessos por mês. Então, se somarmos os meios de interação disponíveis, vamos encontrar mais de 5 milhões de brasileiros interagindo conosco, fiscalizando as nossas atividades. Da mesma forma, o e-Cidadania, através do qual recebemos muitas sugestões que são transformadas em projetos de leis ou em ações dentro do Senado.
Trabalhos mais organizados
Quem trabalha no Senado sabe como nos tornamos uma casa moderna. Quando entrei no Senado, não sabia nem o que ia votar, o que estava circulando. Hoje, temos 15 dias de antecedência. Qualquer matéria que entra em pauta vem dentro do planejamento, e os senadores já podem saber, a sociedade já pode saber. Temos no Senado uma equipe técnica extraordinária, de tal modo que não há nenhum projeto, vindo da Câmara ou do Poder Executivo, que não seja melhorado.

Atualização das leis
As leis brasileiras ainda remontam a ideias muito atrasadas. É preciso que sejam adaptadas ao nosso tempo. Por isso, criei comissões e adotei um sistema com grupos de especialistas e grandes pensadores nacionais para estudar determinados problemas. Código Penal, Código de Processo Penal, Código do Consumidor, a Federação... Isso tem servido para que andemos rapidamente. O passo inicial foi dado. Já andaram muito e estão numa fase quase de conclusão.

Frustração
Jamais pensei que chegaria aonde cheguei. Devo isso ao nosso país, onde todos têm oportunidade. Minha mãe era nordestina, pernambucana, foi para o Maranhão na seca de 1921. Dizia meu avô: "Vi a cara da fome na seca de 21. Ô bicha da cara feia, só mata gente em jejum". Todos nós temos oportunidades. Veja o Lula, filho também de retirantes, que chegou à Presidência. Este é um país aberto, com oportunidades para todos. E o grande caminho é o da educação. Fui autodidata e, se tenho uma frustração, foi não ter tido a oportunidade de frequentar grandes universidades. Sempre tive essa ânsia de conhecimento. Sempre fui bom estudioso. Todo dia devo aprender alguma coisa, por mais simples que seja. Por isso, o grande desafio para o futuro do Brasil é a educação. Nós ainda não encontramos uma solução para o problema. Temos que encontrar e dizer o caminho para tocar em frente.

Mensagem aos brasileiros
Não veja as coisas pelo lado simplório ou pelo xingamento. Somos todos filhos de Deus. Temos virtudes e defeitos... Veja o Senado com a grandeza que representou na história do Brasil. Não veja pelas pessoas que cometem erros, não veja só pelo momento. O Senado está aí para trabalhar pela unidade nacional. Quando você recebe o benefício de uma lei votada pelos senadores, foi o resultado de sua participação como cidadão. A democracia possibilita o autogoverno. Cobre de seu senador, mas procure ser justo nas suas avaliações.

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