A Burrice e a Política
José Sarney
Um dia, estava com Tancredo Neves e descontraidamente conversávamos sobre a política, as suas vicissitudes, suas amarguras e seu potencial gratificante. Perguntei-lhe o que responderia se ele tivesse de arrolar três virtudes que deviam ter os políticos. Ele com certo humor me disse: “Sarney, para mim acho que as sete primeiras são paciência, as outras três você pode escolher como quiser.” Rimos juntos e fiquei logo certo de essas primeiras sete eu possuía demais e muitas vezes fui criticado por essa conduta.
Quando eu era Presidente da República, em momentos difíceis, me aconselhavam a dar um “murro na mesa”. Eu respondia com paciência que havia dois perigos nessa atitude: ou quebrar a mesa ou quebrar a minha mão. Fui visitar Jânio Quadros quando estava muito doente, com grandes dificuldades de levantar-se. Ao me saudar, sem perder aquela teatralidade que marcava seus gestos me disse: “ Jô!, Jô! Jô!, não é Sarney. Nunca vi tanta tolerância e paciência”.
Políticos, encontramos de todos os tipos. Uns são bons, outros são maus. Mas não devemos julgar os políticos somente por estes, numa generalização deformada. Em geral os maus políticos começam pela burrice e a burrice embota. Talvez este seja o menor defeito de um mau político. Este não depende do caráter nem de qualquer formação moral. Podemos dizer ser um defeito físico de nascença, assim como um pescoço torto. São burros e pronto! E não há nenhum milagre que cure a burrice. Eu sempre brinco que Jesus fez todos os milagres: fez cego ver, morto ressuscitar, aleijado andar, mas em nenhuma passagem do Evangelho há sinal de que Cristo tenha transformado um burro em inteligente.
Piores são os defeitos do ódio, da inveja, da maldade, da indignidade, da mentira, da desonestidade e o maior de todos, aquele que Santo Agostinho dizia ser o mais abjeto: a traição. E foi um poeta, Valéry, não foi um santo nem um político, que disse ser a mais repugnante das atividades humanas a política, “porque lida com a ingratidão”. Shakespeare, na tragédia de Macbeth, tem uma passagem em que ele diz “que a ingratidão é uma fúria com o coração de pedra”. Já Sartre com sua irreverência reagia com revolta dizendo que “quem mexe com política está sempre com a mão na m…”.
Porque estas reflexões? É assistir o injusto debate de alguns idiotas sobre uma das maiores obras de amor e benemerência ao Maranhão que eu fiz: doar ao povo do Maranhão um patrimônio, como o que outros presidentes venderam, do meu valioso arquivo de mais de um milhão de documentos, três mil peças de museu de obras de arte e uma biblioteca de mais de 30.000 livros, muitos raríssimos, que acumulei ao longo de minha vida. E o fiz grandeza, amor e desprendimento.
Mais de cem mil pessoas, com presença registrada no livro de visitas, passaram na Fundação José Sarney, ponto de turismo e estudo da História do Brasil.
Vejo nessa reação, reunidos, todos aqueles defeitos que movem o ódio político: a inveja, a burrice e a ingratidão.
José Sarney é ex-presidente da República, senador pelo Amapá, membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Ciências e Letras de Lisboa.
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